Joseph Walser trabalha numa fábrica, com uma máquina complexa, difícil, perigosa. Passa horas em fio com a atenção completamente dirigida para a máquina, numa concentração perfeita, mecánica. A máquina já matou.
Em casa, tem um quarto fechado onde passa grande parte do seu tempo livre. Dentro, tem a sua colecção, as prateleiras, o caderno onde nota tudo, as datas, as medições. Uma maneira de acalmar a relação com a máquina. Ou talvez de expandí-la.
Entra a guerra na cidade. Uma guerra estranha: militares, atentados, sem razão definida, um acontecimento exterior nesta cidade que prefigura o mondo, onde as personagens têm nomes da Europa central, Ortho Dudvik, Bothor Blau, Blorghst Vrulbn, Klober Muller.
Joseph Walser envelhece, mas mantém a adoração pela ’sua’ máquina de trabalho e por todos os mecanismos. Em diversos momentos o som do motor e o seu trepidar confundem-se com o bater cardíaco, pois ambos os ’órgãos’ estão em pleno funcionamento, em plena excitação, e encostados um ao outro misturam-se, provocando em Walser, por vezes, sobressaltos ridículos quando, a horas certas, às horas exactamente planeadas, o motor da máquina subitamente cessa. É aí que Walser percebe a ligação que existe entre o seu corpo e a máquina. O cessar repentino provoca na sua pele um frio instantâneo, uma sensação rápida e tão desagradável que o faz, por exemplo, procurar em livros científicos a descrição pormenorizada do que sente alguém quando o coração falha.A máquina de Joseph Walser (editorial Caminho, 2006, 172 páginas), é o segundo romance da série O Reino, escrita por Gonçalo M. Tavares (Luanda, 1970), escritor e professor universitário português.
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