Wednesday, August 28, 2013

O matador, Patrícia Melo

O matador, Patrícia Melo

Tudo começou por uma bobagem, por assim dizer. Um palavrão que nem era um, nada de ofensivo, mas o suficiente para o Máiquel propôr um duelo. O Suel morto, Máiquel não foge, não sabe o que fazer. Depois, a gente do bairro dá-lhe presentes, agradecem-lhe, até os policiais, converte-se num herói. E daqui pouco, têm vinganças para satisfazer, malucos dos quais querem se ver livres.

E o Máiquel que queria só encontrar um trabalho, amar uma mulher, ter uns sapatos bonitos, vai descobrir o seu papel na sociedade, o do Matador.

Às vezes fazemos a escolha, às vezes a escolha fá-nos.

Subi no palco, meu coração parecia uma bomba-relógio. Aplausos. Eu gostaria de dizer que estou muito emocionado, aplausos, receber o título de Cidadão do Ano é uma honra muito grande, eu disse, aplausos, a plebe, plac, plac, plac, gostaria de agradecer ao prefeito, bom cidadão, aplausos, a todos os policias qui da região, aplausos, uma mulher com vestido vermelho levantou-se e começou a me aplaudir de pé, aplausos, e todos se levantaram, aplaudindo, uma tempestade de palmas, tive que interromper meu discurso, a mulher de vermelho atravessou o salão, aplausos, acercou-se do palco, quero lhe dar um presente, aplausos, ela falou, aplausos, e abriu sua bolsa, ela sacou uma arma, aplaudiram, pá, pá, pá, três tiros no meu peito.
O matador (editora Companhia das Letras, 1995, 204 páginas), escrito por (Golegã, Azinhaga, 1922 — Tías, Lanzarote, 2010).

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