Tudo começou por uma bobagem, por assim dizer. Um palavrão que nem era um, nada de ofensivo, mas o suficiente para o Máiquel propôr um duelo. O Suel morto, Máiquel não foge, não sabe o que fazer. Depois, a gente do bairro dá-lhe presentes, agradecem-lhe, até os policiais, converte-se num herói. E daqui pouco, têm vinganças para satisfazer, malucos dos quais querem se ver livres.
E o Máiquel que queria só encontrar um trabalho, amar uma mulher, ter uns sapatos bonitos, vai descobrir o seu papel na sociedade, o do Matador.
Às vezes fazemos a escolha, às vezes a escolha fá-nos.
Subi no palco, meu coração parecia uma bomba-relógio. Aplausos. Eu gostaria de dizer que estou muito emocionado, aplausos, receber o título de Cidadão do Ano é uma honra muito grande, eu disse, aplausos, a plebe, plac, plac, plac, gostaria de agradecer ao prefeito, bom cidadão, aplausos, a todos os policias qui da região, aplausos, uma mulher com vestido vermelho levantou-se e começou a me aplaudir de pé, aplausos, e todos se levantaram, aplaudindo, uma tempestade de palmas, tive que interromper meu discurso, a mulher de vermelho atravessou o salão, aplausos, acercou-se do palco, quero lhe dar um presente, aplausos, ela falou, aplausos, e abriu sua bolsa, ela sacou uma arma, aplaudiram, pá, pá, pá, três tiros no meu peito.O matador (editora Companhia das Letras, 1995, 204 páginas), escrito por Patrícia Melo (Golegã, Azinhaga, 1922 — Tías, Lanzarote, 2010).
No comments:
Post a Comment