Escritor anónimo, José Costa produz artigos de jornal e discursos políticos sob o nome doutras pessoas. Ele gosta de ouvir suas palavras nas bocas doutros, e ficar no anonimato corresponde bem a ele. Vivendo no Rio de Janeiro com a mulher dele, a Vanda, escreve uma biografia para um alemão que vai se tornar um êxito literário. O anonimato torna-se um bocadinho pesado, neste momento, mas ele tem uma aventura com outra mulher, e outra língua.
Por causa de uma escala em Budapeste, descobre o húngaro, e a complexidade, a dificuldade e as sonoridades da língua magiar atraem-lhe e seduzem-lhe, como a Kriska, a professora dele com quem vai viver uma paixão desconcertante, aceitando viver numa despensa pequenha ao lado dela, até dominar a língua perfeitamente e tornar-se outra vez autor anónimo, um poeta húngaro doutro lado do Atlântico.
Para algum imigrante, o sotaque pode ser uma desforra, um modo de maltratar a língua que o constrange. Da língua que não estima, ele mastigará as palavras bastantes ao seu oficio e ao dia-a-dia, sempre as mesmas palavras, nem uma a mais. E mesmo essas, haverá de esquecer no fim da vida, para voltar ao vocabulário da infância. Assim como se esquece o nome de pessoas próximas, quando a memória começa a perder água, como uma piscina se esvazia aos poucos, como se esquece o dia de ontem e se retêm as lembranças mais profundas.O Chico Buarque sabe bem mostrar quanto uma língua aprende-se por si mesma, mas também para outra pessoa se querermos continuar a aprendê-la até a dominar.
Budapeste (editora Companhia das Letras, 2003, 174 páginas), escrito por Chico Buarque (Rio de Janeiro, 1944), músico, dramaturgo e escritor brasileiro.
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